INTRODUÇÃO
A Igreja ensina que cada alma espiritual é criada diretamente por Deus - esta não é "produzida" pelos pais - e que é imortal: não perece quando, na morte, se separa do corpo e se unirá novamente ao corpo quando ocorrer a ressurreição final.
Apesar da doutrina da imortalidade da alma estar claramente revelada nas Escrituras, existem seitas e denominações protestantes (testemunhas de Jeová, adventistas etc.) que, apegando-se a uma interpretação particular da Bíblia, não cansam de rejeitá-la obstinadamente. Eis aqui um resumo dos seus argumentos.
QUAIS SÃO OS ARGUMENTOS DAS SEITAS QUE NEGAM A IMORTALIDADE DA ALMA?
Um resumo dos argumentos empregados pelos testemunhas de Jeová para negar a imortalidade da alma extraí de sua revista "Despertai", de 22 de outubro de 1982:
"Os testemunhas de Jeová (...) crêem que a alma humana é mortal, que os mortos não sentem nada em absoluto. Por que crêem nisto? (...) os escritores das Escrituras Hebraicas (Antigo Testamento) jamais - nem uma só vez - acrescentaram às palavras 'néphesh' (o termo hebraico para 'alma') ou 'rúahh' (o termo hebraico para 'espírito') a qualificação de 'imortal'. Ao contrário, ensinaram que alma humana morre: 'A alma que pecar, essa é a que morrerá' (Ezequiel 18:4.20, Versão Moderna; ver também Salmo 22:29; 78:50). Dizem que os mortos estão inconscientes: 'Porque os vivos sabem que morrerão, mas os mortos nada sabem e já não há salário para eles (...) Qualquer coisa que esteja ao teu alcance fazer, fazei-a conforme as tuas forças, porque não existirá obra, razão, ciência ou sabedoria no Sheol [o sepulcro comum da humanidade] para onde irás' (Eclesiastes 9:5.10, Bíblia de Jerusalém).
As Escrituras Gregas (Novo Testamento) oferecem o mesmo ponto de vista sobre a alma e a morte. Jesus disse que Deus 'pode destruir tanto a alma quanto o corpo', de forma que, se a alma pode ser destruída, não pode ser imortal (Mateus 10:28). Falando de Jesus, o apóstolo Pedro declarou: 'Qualquer alma que não escute esse profeta será totalmente destruída' (Atos 3:23). Jesus também mostrou que os mortos encontram-se inconscientes, pois comparou a morte a 'um sono que concede descanso' (João 11:11-14). Isto está em harmonia com o que qualquer pessoa pode facilmente discernir ao participar de um funeral, onde pode ver o corpo do falecido.
Segundo o relato da Criação registrado em Gênesis 2:7, Adão foi formado do pó da terra e 'o homem veio a ser alma vivente'. Portanto, a Bíblia usa a expressão 'sua alma' para se referir à 'própria pessoa'" (Despertai, 1982 - G82, 22/10, pp.25-27).
Partindo deste breve resumo, podemos separar seus argumentos para estudá-los um por um:
ARGUMENTO Nº 1: OS MORTOS NÃO TÊM CONSCIÊNCIA DE NADA
"Porque os vivos sabem que morrerão, mas os mortos nada sabem e já não há salário para eles, pois foi perdida a sua memória. Tanto o seu amor quanto o seu ódio, como os seus zelos, há tempos pereceu e nunca tomarão parte em qualquer coisa que ocorra sob o sol" (Eclesiastes 9,5-6).
Os testemunhas de Jeová interpretam literalmente e fora do contexto este texto bíblico para afirmar que a pessoa, quando morre, não possui consciência de nada; logo, não haveria uma alma imortal que sobrevivesse. Para eles, quando uma pessoa morre, deixa de existir e apenas "fica na memória de Jeová". Contudo, para entender por que os testemunhas de Jeová chegaram a esta conclusão, devemos compreender a sua forma de enxergar as Escrituras.
Sua principal dificuldade encontra-se talvez em não compreender que a revelação divina foi progressiva. Não deveríamos ficar surpresos por não encontrar nenhuma referência à ressurreição em todo o Pentateuco (as primeiras menções à ressurreição encontramos em Isaías 26,19 e Daniel 12; inclusive, nos tempos de Jesus, os saduceus a rejeitavam) e muito menos em reconhecer que o motivo disso é que ela não havia sido revelada até então. A própria revelação do Messias como Deus e Filho de Deus não é igualmente clara no Antigo tal como temos no Novo Testamento. Muitos exemplos poderiam ser citados, mas certamente qualquer leitor cuidadoso poderá observar sem muita dificuldade este desenvolvimento da revelação à medida que avança a leitura das páginas da Bíblia, o que implica que houve momentos da História onde o conhecimento de certas verdades era parcial e limitado, aumentando à medida que avançava a transmissão da revelação ao Povo de Deus.
O mesmo ocorre quanto a compreensão do Povo de Deus acerca de seu conhecimento sobre o além e, sobretudo, acerca da recompensa ou sanção aplicada a cada um. Assim, para o autor do Eclesiastes, bem como para os autores dos livros sagrados anteriores, não existe um conhecimento claro de recompensa ou castigo, a não ser quanto aos bens ou males da vida presente. Parece sim vislumbrar que Deus julgará as ações do justo e do ímpio (Eclesiástico 3,17; 11,9; 12,14) embora sem conhecer a natureza da recompensa.
É simples, assim, compreender que não é que o Autor ponha em dúvida a imortalidade da alma e a retribuição futura, mas que as ignora e, por isso, compara a condição dos vivos com a dos mortos conforme suas concepções acerca do Sheol (lugar onde antes da ressurreição de Cristo descansavam as almas e no qual já não faziam parte do mundo dos vivos).
Pode-se encontrar ao longo de todo o Livro textos que confirmam isso: "Quem sabe se o alento de vida dos humanos ascende ao alto e se o alento de vida da fera desce à terra?" (Eclesiastes 3,21). O próprio Autor reconhece aqui não saber o que acontece com o alento de vida dos seres humanos e se se diferencia do [alento de vida] dos animais.
Em outra parte escreve: "Porque o homem e a fera possuem a mesma sorte: um morre como o outro e ambos possuem o mesmo alento de vida. O homem em nada leva vantagem sobre a fera..." (Eclesiastes 3,19), textos que permitem entender que o Autor fala apenas sobre o que sabe e o que tinha sido revelado até então. No entanto, os testemunhas de Jeová sustentam toda a sua doutrina em textos do Antigo Testamento - quando a Revelação estava ainda em pleno progresso - e se vêem obrigados a distorcer todos os textos claros do Novo Testamento que contradizem a sua teologia.
O mais contraditório de sua teologia é que, ao interpretar Eclesiastes 9,5-6 como o fazem, deveriam concluir que tampouco existe recompensa futura, já que o texto afirma que para os mortos "já não há salário para eles", embora saibamos que "o Filho do Homem há de vir na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então pagará a cada um segundo a sua conduta" (Mateus 16,27).
ARGUMENTO Nº 2: A ALMA QUE PECAR MORRERÁ
"Minhas são todas as almas; tanto a do pai quanto a do filho, minhas são, e a alma que peca, essa perecerá" (Ezequiel 18,4).
De alguma maneira, os testemunhas de Jeová optaram por interpretar que este texto se refere à aniquilação ou destruição da alma. Talvez a principal dificuldade aqui seja a sua falta de compreensão acerca do significado da palavra "morte" na Bíblia, a qual, em certos casos, faz referência à separação da alma do corpo (=morte física), mas em outros casos se refere à separação do homem de Deus em razão do pecado (=morte espiritual).
Entre alguns textos onde a morte faz referência à morte física, em que se separam alma e corpo:
- "E ao exalar a alma, pois estava doente, o chamou Ben-'oní; porém, seu pai o chamou Benjamin" (Gênesis 35,18).
- "Pois para mim a vida é Cristo e a morte um lucro. Porém, se o viver na carne significa para mim trabalho fecundo, não sei o que escolher... Sinto-me premiado dos dois lados: por um lado, desejo partir e estar com Cristo, o que, certamente, é muito melhor; mas, por outro lado, ficar na carne é mais necessário para vós" (Filipenses 1,21-24).
No texto anterior, São Paulo está consciente de que ao morrer deixará o seu corpo para estar com Cristo; prefere, no entanto, permanecer na carne em razão da evangelização. O seguinte texto é ainda mais explícito:
"Assim, pois, sempre cheios de bom ânimo, sabendo que, enquanto habitamos no corpo, vivemos afastados do Senhor, já que caminhamos na fé e não na visão (...) Estamos, pois, cheios de bom ânimo e preferimos deixar este corpo para viver com o Senhor. Por isso, quer em nosso corpo, quer fora dele, nos esforçamos por agradar-Lhe" (2Coríntios 5,6-9).
Basta apenas este texto para desarmar toda a teologia dos testemunhas de Jeová e adventistas, já que fala explicitamente da possibilidade de se viver no corpo e fora dele, e que em ambos os estados nos esforçamos em agradar a Deus.
Entre alguns textos onde a morte faz referência à separação do homem de Deus em razão do pecado, temos:
- "E a vós que estáveis mortos em vossos delitos e pecados" (Efésios 2,1).
- "Estando mortos em razão de nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo - pela graça fostes salvos" (Efésios 2,5).
- "Pois tudo o que fica manifesto é luz; por isso se diz: 'Desperta tu que dormes e te levanta dentre os mortos, e Cristo te iluminará" (Efésios 5,14).
- "E a vós, que estáveis mortos em vossos delitos e em vossa carne incircuncisa, vos vivificou juntamente com Ele e nos perdoou a todos os nossos delitos" (Colossenses 2,13).
É por isso que não é coerente interpretar Ezequiel 18,4 como uma aniquilação da existência da alma, mas, pelo contrário, o que realmente significa: um estado onde a alma fica afastada de Deus por toda a eternidade.
- "Porque é próprio da justiça de Deus pagar com tribulação aqueles que vos atribulam; e a vós, os atribulados, com o descanso junto conosco, quando o Senhor Jesus se revelar a partir do céu com os seus poderosos anjos em meio a uma chama de fogo, e realizar vingança contra os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao Evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão a pena de uma ruína eterna, afastados da presença do Senhor e da glória do seu poder" (2Tessalonicenses 1,6-9).
- "Ali será pranto e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, enquanto que vós estareis sendo lançados fora" (Lucas 13,28).
Outra referência à morte da alma, não como uma aniquilação definitiva, mas como uma separação do homem de Deus, encontramos no Apocalipse, onde se fala da "segunda morte":
- "Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: 'o vencedor não sofrerá o dano da segunda morte'" (Apocalipse 2,11).
- "Porém, os covardes, os incrédulos, os abomináveis, os assassinos, os impuros, os feiticeiros, os idólatras e todos os embusteiros terão a sua parte no lago que arde com fogo e enxofre, que é a segunda morte" (Apocalipse 21,8).
- "E o Diabo, seu sedutor, foi atirado no lago de fogo e enxofre, onde estão também a besta e o falso profeta; e serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos" (Apocalipse 20,10).
- "E eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente e se colocarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus, enquanto que os filhos do mundo serão lançados às trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes" (Mateus 8,12).
Ao lermos cuidadosamente estes textos, é possível perceber que a segunda morte (chama-se assim precisamente porque é a morte da alma) que os condenados sofrerão em conjunto com o Diabo, a besta e o falso profeta, implicará não apenas no afastamente de Deus por toda a eternidade (=pena de dano), mas ainda uma espécie de tormento eterno (=pena de sentido).
"Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão: uns para a vida eterna; outros, para o opróbio, para o horror eterno" (Daniel 12,2).
Em absolutamente todos os textos que tratam do destino final dos condenados (Mateus 8,12; 13,42; 24,51; 25,30; Lucas 13,28), encontramos o mesmo: a morte da alma é um estado de separação definitivo de Deus, nunca se falando de uma destruição ou cessação da existência.
Observação: Os testemunhas de Jeová afirmam que apenas os justos ressuscitarão. Embora este jeito de ver as coisas seja quase lógico - já que não teria muito sentido os injustos ressuscitarem para tornarem a ser destruídos - isto, porém, contradiz o que o profeta Daniel já havia profetizado no texto que acabamos de citar (v. Daniel 12,2).
ARGUMENTO Nº 3: JESUS DISSE QUE DEUS "PODE DESTRUIR TANTO A ALMA QUANTO O CORPO", DE MODO QUE, SE A ALMA PODE SER DESTRUÍDA, LOGO NÃO PODE SER IMORTAL (MATEUS 10:28)
Aqui, o erro das testemunhas é novamente interpretar esta morte da alma como uma aniquilação. Seu argumento é que o texto grego emprega "?π?λλυμι" ("apólumi"), que traduzem e interpretam literalmente como "destruir". O "Dicionário de Grego Strong" nos oferece o seguinte significado:
G622
apólumi
de G575 e a base de G3639: destruir completamente (reflexivamente perecer ou perder), literal ou figurativamente: destruir matar, morrer, perder, perdido, perecível, perecer.
Não há razão nenhuma, portanto, para interpretar nesse texto a palavra "apólumi" como uma aniquilação ou destruição literal da alma. O contexto desse mesmo texto não apenas rejeita essa idécia como também serve para refutá-la:
"E não temais aqueles que matam o corpo, porém não podem matar a alma; temei mais Aquele que pode levar a alma e o corpo à perdição na Gehena" (Mateus 10,28).
Visto que os adventistas e os testemunhas de Jeová não crêem na imortalidade da alma, como algo poderia matar apenas o corpo e não matar a alma? Recorde-se que eles afirmam que não existe alma que sobreviva ao corpo e que, ao morrer o corpo, morre a alma. Porém, não é isso o que Jesus diz ali, mas justamente o contrário: há causas que podem matar o corpo sem matar a alma (um acidente ou qualquer coisa que pode causar a morte física, mas não a morte espiritual), de modo que a alma sobrevive ao corpo uma vez separada dele. Com efeito, o contexto de morte ou destruição da alma que é tratado ali não é uma aniquilação, mas um estado de morte espiritual definitiva.
Na próxima parte veremos os argumentos bíblicos em favor da imortalidade da alma.
Ap Ailton Guimarães
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